Duas são as questões que temos a examinar.
Primeira, em que
medida se distinguem os efeitos da maquinaria daqueles da
divisão do trabalho e da cooperação simples.
Segunda, os
efeitos da maquinaria sobre os trabalhadores que ela mesma
elimina e substitui.
meio para substituir o trabalho vivo ou como aquele meio de fazer diminuir
o número de trabalhadores. Esta diminuição do trabalho humano aparece
como especulação capitalista, como meio para aumentar a mais-valia.

É primeiramente junto à maquinaria que o trabalhador luta de
imediato contra a força produtiva desenvolvida pelo capital como sendo
aquele princípio antagônico fundado no trabalhador mesmo — o trabalho
vivo. A destruição das máquinas e a oposição geral,
por parte dos trabalhadores, à introdução da maquinaria é a primeira
expressão esclarecida de luta contra a produção capitalista
desenvolvida, tanto como modo, quanto como meio de produção. Nada há
que se assemelhe a isto na cooperação simples e na divisão do trabalho.
Ao contrário, a divisão do trabalho no interior da manufatura
reproduzia de forma mais ou menos geral a divisão de trabalho entre os
diferentes ofícios. A única oposição que aqui encontramos, no que diz
respeito às corporações e às organizações medievais do trabalho, é a
proibição do emprego, por parte de um único mestre artesão, de um número excedente de trabalhadores àquele
estabelecido; e, em geral, ao simples comerciante, que não era mestre,
a proibição em utilizar-se de trabalhadores. Esta oposição estava instintivamente voltada
contra o fundamento geral sobre o qual teve lugar a transição da forma
artesanal para o modo de produção capitalista, da mesma forma que
voltada contra a cooperação de muitos trabalhadores sob um único mestre e contra a produção em massa, sem
que as forças sociais do trabalho (incluindo sua depreciação) que essa
produção em massa desenvolve, ou ainda a substituição do trabalho vivo
pelo produto do trabalho passado (vergangner Arbeit), pudessem já ser aqui conscientemente apreendidas.
A divisão do trabalho e a cooperação simples nunca se baseiam
imediatamente na substituição do trabalho ou na criação de um excedente
de trabalhadores; por um lado, sua base é a concentração destes e, por
outro, a formação de uma maquinaria viva ou um sistema de máquinas
vivas intermediado por este mesmo conglomerado. Em todo caso, porém, um
excedente relativo de trabalho é produzido.
Por exemplo, numa manufatura fundada na divisão do trabalho, na qual trinta mecânicos trabalham "x" vezes
produzindo mais fechaduras do que trinta serralheiros independentes
poderiam produzir, estes últimos deixariam de ser independentes
justamente ali onde nasce a concorrência com a manufatura — desalojados
que seriam por ela —, da mesma forma que o crescimento da produção de
fechaduras não se poria mais como antes, proporcionalmente ao
crescimento do número de serralheiros independentes. Isto aparece antes
como a transformação dos mestres de ofício e seus aprendizes em
capitalistas e trabalhadores assalariados do que como a supressão do
trabalhador assalariado pelo emprego do capital e da ciência.
Esta última forma aparece ainda em menor proporção do que a
própria manufatura, de presença apenas esporádica, pois se coloca como
anterior à invenção da maquinaria, de modo algum capaz de compreender a
totalidade dos ramos, mas aparecendo simultaneamente ao primeiro
desenvolvimento do trabalho industrial em larga escala, e coincidindo
com as necessidades fundadas neste último. As manufaturas posteriores,
que se desenvolvem tendo por base a própria máquina, tomam-na por
pressuposto, ainda que o emprego da maquinaria tenha uma dimensão
apenas parcial. O pressuposto desta forma é o excedente de população
formado e continuamente renovado sob a maquinaria.
Por isso pôde Adam Smith
notar como sendo expressões de caráter idêntico: a divisão do trabalho
no interior da manufatura e o aumento do número de trabalhadores.

Além disso e sem dúvida, simultaneamente à maquinaria desenvolve-se também a agricultura em larga escala, que
funciona de fato como produção mecanizada, dado que tanto a
transformação da terra arável em pastagens, como o uso de melhores
instrumentos e cavalos, aqui, tanto quanto na maquinaria, faz com que o
trabalho passado surja como meio para substituição ou diminuição do
trabalho vivo.

O primeiro caso diz respeito ao emprego da maquinaria naqueles
ramos cuja forma anterior de produção era artesanal ou manufatureira.
Com isso, a máquina aparece aqui como elemento intrínseco ao modo de
produção capitalista, como uma revolução no interior do modo
de produção em geral. Assim que a mecanização se institui no interior
das oficinas (Ateliers), a finalidade passa a ser o constante
aperfeiçoamento da maquinaria, que até este momento não havia ainda
subordinado a si setores daquelas, fazendo-o agora por completo, ao
mesmo tempo em que faz diminuir o número de trabalhadores ocupados. Da
mesma forma, os trabalhos feminino e infantil tomam o lugar do trabalho
masculino e, finalmente, numa extensão superior àquela da manufatura
(e isto os trabalhadores têm sentido diretamente), a força produtiva de
uma mesma quantidade de trabalhadores aumenta e, justamente por isso, é
requerida uma diminuição relativa do número de trabalhadores para a produção de uma determinada massa de mercadorias.
Portanto, a fórmula da maquinaria é: não a diminuição relativa da jornada individual de trabalho — jornada esta que é parte necessária da jornada de trabalho mas a redução da quantidade de trabalhadores, isto
é, das muitas jornadas paralelas, formadoras de uma jornada coletiva
de trabalho, fundamental à constituição da maquinaria. Em outros
termos, uma quantidade determinada de trabalhadores é posta para fora
do processo de produção e seus postos de trabalho extintos como sendo,
ambos, inúteis à produção de mais-trabalho. Tudo isso abstraindo da
eliminação daquelas especializações surgidas mediante a divisão do
trabalho de onde resulta, por conseqüência, uma depreciação da própria
capacidade de trabalho.
O trabalho passado juntamente com a circulação social do trabalho
são apreendidos como meios de tomar supérfluo o trabalho vivo. Ou seja,
a base sobre a qual se desenvolve o mais-trabalho é o tempo de
trabalho necessário, apesar de, aqui, buscar-se consolidar justamente o
contrário: calcula-se qual o quantum determinado de mais-trabalho é possível obter perante a um quantum determinado de trabalho necessário.
A oposição entre capital e trabalho assalariado desenvolve-se,
assim, até sua plena contradição. É no interior desta que o capital
aparece como meio não somente de depreciação da capacidade viva de
trabalho, mas também como meio de tomá-la supérflua. Em determinados processos isso ocorre por completo; em outros, esta redução se efetua até que se alcance o menor número possível no interior do conjunto da produção. O trabalho necessário coloca-se, então, imediatamente como população supérflua, como excedente populacional — aquela massa incapaz de gerar mais-trabalho.
Já postos anteriormente como sendo momentos diferenciados, é
possível verificar como o capital de fato — contra sua vontade — faz
diminuir a massa de mais-trabalho que um capital determinado é capaz de
produzir. Atuando como tendência que se movimenta contraditoriamente,
ele procura manter baixo o número relativo de trabalhadores
efetivamente ocupados e, ao mesmo tempo, elevar o quanto for possível o mais-trabalho absoluto, ou seja, aumentar a jornada de trabalho absoluta.
Por isso os economistas contemporâneos ao período referente à
grande indústria posicionam-se contra aquele preconceito predominante já
presente no período manufatureiro, segundo o qual é de interesse do
Estado — portanto, da classe capitalista — ocupar o maior número de trabalhadores possível.
Pelo contrário, aparece como tarefa obrigatória para a produção de
mais-trabalho diminuir (ao invés de aumentar) o quanto for possível a
quantidade de trabalhadores e criar, ao mesmo tempo, excedente
populacional.
Trata-se para o trabalhador não somente da eliminação da
especialização e da depreciação de sua capacidade de trabalho, mas da
eliminação mesma desta parte cuja flutuação é constante e pertencente a
ele como sendo sua única mercadoria — a eliminação de sua capacidade de
trabalho. Capacidade que se coloca como supérflua ante a maquinaria,
seja porque cabe a esta última a realização completa de parte do
trabalho, seja porque diminui o número de trabalhadores que assistem
diretamente à maquinaria. Da mesma forma que isso ocorre, também
aqueles trabalhadores vinculados ao modo de produção precedente, na
concorrência com a maquinaria, acabam por arruinar-se.
Para os próprios trabalhadores o tempo de trabalho necessário não
é mais o socialmente necessário no interior da produção de
mercadorias. Seu trabalho de 16-18 horas tem maior 1/1260/valor do que
aquele de 6-8 horas levado a efeito com a máquina. Em face do
prolongamento do tempo de trabalho, por toda a parte disseminado para
além de suas fronteiras normais, e mediante a péssima remuneração que é
dada em contrapartida — posto que o valor ali é regulado a partir do
valor das mercadorias produzidas sob a maquinaria —, os trabalhadores
empreendem uma luta frontal com esta última, até o ponto em que são
definitivamente derrotados.
Esta a tendência da maquinaria: por um lado, a constante expulsão
de trabalhadores, seja do interior daquela oficina já mecanizada, seja
do interior dos ofícios; por outro, sua constante reintegração, posto
que a partir de um grau determinado de desenvolvimento da força
produtiva, o aumento da mais-valia só se coloca com a elevação
simultânea do número de trabalhadores ocupados. Esse movimento de
atração e expulsão é característico e representa o constante oscilar da
existência do trabalhador.
Nas strikes mostra-se também que as máquinas são
empregadas e inventadas em oposição direta às exigências do trabalho
vivo, assim como são elas o meio de enfraquecê-lo e dividi-lo (vide Ricardo sobre a oposição permanente entre maquinaria e trabalho vivo).
Aqui, portanto, com maior evidência aparece o estranhamento(3)
das condições objetivas do trabalho — do trabalho passado — em
oposição ao trabalho vivo como sendo aquela contradição imediata na qual
o trabalho passado — e, por conseguinte, as forças sociais gerais do
trabalho que compreendem tanto as forças da natureza quanto as da
ciência — se apresenta diretamente como uma arma que atira à rua o
trabalhador, transformando-o num sujeito supérfluo; que rompe e
dilui com sua especialização, sufocando aquelas necessidades nela
fundadas, e que submete o trabalhador ao despotismo acabado e
organizado da forma de ser da fábrica (Fabrikwesen) e à disciplina militarizada do capital.

Aqui o trabalho passado também se apresenta — tanto na maquinaria
automatizada quanto naquela posta em movimento por ele — visivelmente
como independente do trabalho enquanto auto-atividade (selbsttiitig): ao
invés de ser subordinado por este último, o trabalho passado é que o
subordina a si. Trata-se do homem de ferro contra o homem de carne e
osso. A subsunção de seu trabalho ao capital — a absorção de seu
trabalho pelo capital —, que está no cerne da produção capitalista,
surge aqui como um fator tecnológico. A pedra fundamental está
posta: o trabalho morto no movimento dotado de inteligência e o vivo
existindo apenas como um de seus órgãos conscientes. A conexão viva do
corpo da oficina não se funda mais na cooperação, mas sim no sistema
de máquinas que forma agora, a partir do movimento de um motor primário
e do abarcamento da totalidade das oficinas, a unidade ampla à qual
estas últimas, ao continuarem sendo compostas por trabalhadores,
mantêm-se subordinadas. A unidade da maquinaria alcança
assim, evidentemente, forma independente e plena autonomia com relação
aos trabalhadores, ao mesmo tempo que se coloca em oposição a eles(4).
A oficina que se apoia na maquinaria expulsa continuamente o trabalhador enquanto elemento necessário, ao
mesmo tempo que real oca estes trabalhadores repelidos em funções da
própria maquinaria. Se, por exemplo, de um total de cinqüenta
trabalhadores, quarenta são postos para fora, nada se opõe inteiramente
a que, neste momento, sobre a base de uma nova fase da produção, estes
quarenta trabalhadores sejam novamente integrados. Esta é uma discussão
que não pode ser levada adiante neste espaço, mas se constitui num
tópico que precisa ser examinado mais de perto: as relações entre os
capitais constante e variável.
O estranho receio dos economistas em demonstrar que sobre o
emprego da maquinaria repousa, ao longo do tempo, a grande indústria e
que esta absorve de forma sempre renovada excedentes de população, é
ridículo. Em primeiro lugar, deve ficar claro que a maquinaria é boa
porque poupa trabalho, e é então novamente boa porque não o poupa
senão tomando necessário num ponto o trabalho manual que ela substitui
em outro. //1261/ Não é através da maquinaria, particularmente, mas na
própria seqüência do processo mecanizado, que os trabalhos auxiliares
se fazem necessários. Para consolo dos trabalhadores, a economia
burguesa reporta-se ao trabalho auxiliar como uma forma disfarçada de
supressão do trabalho estafante, enquanto, de fato, ao lado dos
trabalhos antigos, a maquinaria apenas cria novas formas deste trabalho
árduo. Ou como continua a se tratar de trabalhadores ocupados no
interior da oficina já mecanizada — apesar da maquinaria e apesar de
mediante a mesma aumentar o esgotamento de cada trabalhador isolado —, o
número de condenados a este trabalho estafante se eleva. De resto, não
é este o lugar para aprofundar a questão, dado que ela toma como
pressuposto a reflexão sobre o movimento real do capital, reflexão esta
que aqui não é possível desenvolver. Todavia, os exemplos mencionados
há pouco ilustram muito bem como a maquinaria é capaz de operar em
ambos os sentidos. Não cabe também estender-se sobre o fato de que
junto à agricultura deve predominar a tendência em formar-se um
excedente populacional, não apenas temporário, mas em termos absolutos.
Com a maquinaria — e com a oficina mecanizada nela fundada —
consolida-se a predominância do trabalho passado sobre o trabalho vivo,
não apenas do ponto de vista social, expresso na relação entre
capitalista e trabalhador, mas também como sendo uma verdade tecnológica.
Poder-se-ia perguntar como é possível que de forma geral o emprego
da maquinaria — abstraído da liberação do capital e do trabalho — possa
criar de imediato um novo e mais difundido trabalho (tomado do início
ao fim no seu processo como um todo, seja ele diretamente realizado a
partir da máquina, seja aquele que a tenha por pressuposto), que tem de
ser menor do que a massa de trabalho contida nas mercadorias
anteriormente produzidas sem a maquinaria. Ainda que, por exemplo, o quantum de trabalho contido numa vara de linho feita sob a maquinaria seja menor do que o quantum dispendido
fora dela, não segue daí que, se agora a maquinaria produz mil varas
de linho onde antes era produzida uma única, o trabalho não tenha
aumentado — no que tange ao cultivo do linho, ao transporte e à
totalidade dos trabalhos intermediários. Seu aumento não diz respeito à
quantidade de trabalho contida numa só vara de linho, mas (e
independentemente do tecido mesmo) à maior quantidade de trabalho
preliminar requerido pelas mil varas de linho, seja junto ao próprio
trabalho preliminar, seja junto à circulação (transporte) na diferença
que uma só vara de linho requer. Cada vara de linho toma-se mais
barata sob o trabalho à máquina, ainda que mil delas ponham em
movimento mil vezes mais trabalho auxiliar do que antes poria uma
única. (fonte:http://www.marxists.org/portugues/marx/1863/05/maquinaria.htm)